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“Liv me ligou e disse que havia sido convidada para um papel num filme com Bruce Willis e Ben Affleck. Ela não tinha certeza se deveria aceitar, porque era comercial demais.
    -Em que aspecto? – Perguntei.
Seu gosto para papeis no cinema tem mais haver com filmes fora dos padrões e independentes, “Beleza Roubada” e “The Wonders – O Sonho Não Acabou”, que ela ela já havia feito. (…)
    -Acho que é para o grande público e comercial demais, papai.
    -Aceite – eu disse. – Não há nada de errado no fato de você ficar muito conhecida, querida.

Enquanto isso, “Nine Lives” (álbum) saiu em 1997 – esse foi um puta disco. Lembro-me de ter andado com a fita pronta no bolso de trás, sentindo como se estivesse carregando uma barra de ouro. Mas veja as circunstâncias da época. A banda estava sóbria. (…) Eu estava sóbrio a doze anos. Joe havia quatro. Brad talvez oito. Se eu bebia vinho, não tinha importância. Tom, quem sabe o que ele estava fazendo? Joey foi o único que ficou sóbrio durante todo esse tempo. Foi o único membro da banda que segurou a barra.

Enquanto estávamos trabalhando em “Nine Lives” no Marlin Hotel, Bono e Larry, do U2, vieram nos visitar. Mostramos as músicas, e eles ficaram impressionados – nada melhor do que ter uma parede sólida na qual sua bala pode ricochetear.
(…)

Acho que minha maneira de ouvir canções vem da época em que ouvi pela primeira vez hinos e músicas para órgão na igreja, quando Deus ainda estava debaixo do púlpito, numa caixa coberto de veludo vermelho. Fui criado como presbiteriano, e sempre faço minhas preces. A música era tão profunda e estimulante, uma harmonia cósmica que inundava a alma da congregação. É por isso que o órgão é tão poderoso. As pessoas ouvem Deus numa canção porque a música penetra em sua mente com a melodia…ela inunda seu cérebro como fluído na placenta. Então, na igreja, ouvindo aqueles órgãos gigantes que tocavam acordes suaves e hinos melodiosos, eu me sentia num som angelical. E, em casa, com um ou dois anos, eu era ninado com as notas de Debussy e Schubert. Procurando Deus? Não vim aqui para procurar Deus, eu O trouxe comigo.

Diane escreveu “I Don’t Want to Miss a Thing” e essa canção, aliás, tem um dos mais brilhantes versos iniciais jamais escritos. Se estiver apaixonado e sua alma gêmea disser “I could fall asleep just to hear you breathing”(Eu poderia ficar acordado só para ouvir você respirar) você vai deitar no chão e fazer vinte flexões na mesma hora. Ou aconchegar sua cabeça contra o pescoço dela e acreditar que nunca mais será capaz de viver sem ela. Todos nós já passamos por isso, não é verdade?

As canções não são nada mais do que o ar e pura emoção, mas surtem um efeito intenso na vida das pessoas. Quando as pessoas se apaixonam por uma música, tudo o que acontece em sua vida se vincula a canção. 
(…)

E os dois caras que criaram o BlackBerry… tiveram a ideia enquanto estavam fumando maconha e ouvindo “Sweet Emotion”. Durante a premiação dos Kennedy Honors, uma famosa política democrata me contou que havia feito amor pela primeira vez ouvindo “Sweet Emotion”.
(…)

Em algum momento de 1997, recebi uma ligação de Jerry Bruckheimer dizendo que gostaria de colocar quatro ou cinco canções do Aerosmith num novo filme. Entramos em acordo, e foi então que Jonh Kalodner me mostrou a música de Diane “I Don’t Want to Miss a Thing”.  Eu não sabia que Kathy Nelson, que estava escolhendo a música, a incluiria no mesmo filme de Jerry Bruckheimer, “Armageddon”, sobre o qual Liv havia falado.

Tudo bem, eu estava conseguindo algo espetacular, mas sem saber estava amaldiçoado como Caim, condenado como o capitão Ahab. As setes pragas do Egito… todas caíram sobre mim ! O que fiz para merecer isso? Será que profanei o túmulo do Faraó? Será que violei algum sinistro tabu? Alguém em algum lugar está enfiando alfinetes num boneco de vudu?

Ou… será que foi um acordo faustiano que fiz com a Deusa Safada da Billboard, quando ela sussurrou em meu ouvido:
     – Steven, querido, você quer um grande sucesso?
     – Seria legal.
     – Que tal uma música número 1?
     – Putz, claro! Querida, eu faria qualquer coisa para conseguir ser número 1.
     – Qualquer coisa? Tem certeza, Steven, porque você sabe que pode ter um preço a pagar…
     – Que diabo, pode vir! Não importa o que seja, deixe comigo.

Logo teríamos nosso sucesso “I Don’t Want to Miss a Thing” – saiu em agosto de 1998 e foi número 1 da lista das Hot da Billboard durante quatro semanas, mas antes que isso acontecesse, o preço a pagar profetizado pela Deusa Safada da Billboard se tornou horrivelmente verdadeiro.

Minha litania de doenças, azar e desgraças começou durante o Ano do Rato.
(…)

O primeiro demônio de dor martirizante veio me visitar uma semana depois. Estávamos nos apresentando no Alasca em 1998. Era a primeira vez que tocávamos no Alasca.(…) No final da canção “Train Kept a Rollin” durante o solo de bateria de Joey, fiz aquela coisa que pulo no alto, abro as pernas e os braços e ao mesmo tempo faço balançar o pé de meu microfone enfeitado de lenços. O pé do microfone pesa uns dois quilos, e ao pular bati a parte interna do joelho esquerdo nele. É como se alguém tivesse batido no nervo com um martelo de dois quilos.

E isso não aconteceu no meio do concerto ou de uma canção, mas bem no final do show. Em outras palavras, caí no final do show, provocando um clímax não esperado. Fiquei deitado no palco, gemendo de dor, fazendo “Aaaaaaagggh!”. Ninguém percebeu o que aconteceu comigo. Fingi que isso fazia parte do show e olhei para trás, para o agente da nossa turnê e, com os lábios, formei a palavra AMBULÂNCIA.
(…)

No hospital disseram: 
   – Foi isso que você fez: rasgou seu LCA. Vai precisar de duas semanas para que o inchaço diminua e possamos fazer uma artroscopia para ver a importância do dano e cuidar disso. Duas semanas. E você tem de fazer o seguinte: Coloque gelo todo dia para ajudar a reduzir o inchaço.

Porra! Fim de turnê. Bem na hora errada, e exatamente na hora de gravar o vídeo de “I Don’t Want to Miss a Thing”.

Depois disso, fomos a algum lugar do meio-oeste para gravar o videoclipe de “I Don’t Want to Miss a Thing”. Eu ainda estava com gesso embrulhado no gelo, e se você ver o vídeo perceberá que me filmaram somente da cintura para cima.
(…)

Logo depois desse vídeo fomos número 1. Quais eram as malditas chances? Bem, de certa forma, eu sabia que íamos conseguir. Mais tarde encontrei a Deusa Safada da Billboard numa conversa nas Bahamas.
    – Por que parece tão melancólico, querido? perguntou ela com um sorriso fingido. – Você não conseguiu ser número 1?
    – Está brincando? Esse negócio com o LCA não foi nada divertido – disse eu.
    – Ah, bem, querido, todos temos de pagar nossas contas. Aliás, querido, talvez ainda tenha algo mais para acertar.

Antes que eu tivesse a oportunidade de lhe perguntar o que queria dizer com isso, ela já havia desaparecido. 

De volta para casa, fiquei mais uma semana com o joelho no gelo antes de poder ser operado.
(…)

Ele (médico) disse: 
    – Bem, temos um congelador na outra sala cheio de joelhos de pessoas que morreram, e podemos utilizar um dos ligamentos, porque as articulações são como os LCAs, não precisam de muito sangue, e não precisa se preocupar com o risco de rejeição.

Então, cortaram um ligamento da articulação de um garoto de 16 anos e o utilizaram para substituir o LCA de meu joelho. Toda noite, quando faço minhas preces, digo-as duas vezes e agradeço ao garoto que me deu o ligamento para o joelho.
(…)

Eu tomava analgésicos, mas mesmo assim… é o que tem de ser feito para sair dessa, é a única maneira. Foram necessário quatro meses, mas, depois disso eu estava numa forma razoável. Ainda doía, mas meu joelho estava suficientemente bom para prosseguir com a nova turnê do Aerosmith. Tínhamos de começar logo, já que naquela época estávamos em primeiro lugar na Billboard e com isso tínhamos um monte de oportunidades. Voltamos a tocar no Madison Square Garden, em NY.

“I Don’t Want to Miss a Thing” foi indacada ao Oscar de melhor canção original – era o tema principal do filme “Armageddon”- o que foi especialmente comovente, já que Liv era uma das estrelas do filme. E ia me apresentar na cerimônia de premiação da academia. Dei uma olhada pela cortina e vi Eric Clapton, Sting e Madonna, e todas as pessoas de minha geração, sentados na primeira fila. Um pouco antes da cortina se abrir, meu tecladista deu um chute num cabo e tirou meu retorno, e eu não conseguia mais ouvir a música. Quando a apresentação começou, eu deveria estar na frente, com o cara tocando violoncelo para a abertura da canção. Eles disseram:
      – Sessenta segundos.
      – Mas espere – pedi. – Não consigo ouvir nada! O microfone está ligado?
Fui até o cara encarregado da produção e disse:
      – Não deixem abrir a porra da cortina, pois estou sem retorno. Não abram.
Mesmo assim, abriram a cortina. E então a canção começou, e eu estava a seis metro do violoncelista. Não era para eu correr até a frente do palco; todo mundo teria caído na risada: ” HA-HA-HA-HA! Olha o Steven, perdeu sua marcação! Sou um pouco mais profissional do que isso. Andei bem devagar. Mas na hora em que consegui chegar ao violoncelista, após uns nove metros, o primeiro verso já tinha acabado. Perdi o primeiro verso. Ao vivo na TV, durante o Oscar! Ah, cara.

Tivemos nosso sucesso número 1 de vendas, fomos ao Grammy, e ainda com meio Grammy para terminar, cantei na premiação da academia. Precisei passar por alguns momentos difíceis mas tudo valeu apena. O Aerosmith estava a mil. Eu estava bem casado com Teresa e com dois filhos lindos, Chelsea e Taj, além de minhas filhas Liv e Mia. A vida era boa, e não havia nada de que eu não pudesse me queixar. Ou pelo menos era isso que eu achava…”

Texto extraído do livro “Steven Tyler – O Barulho na Minha Cabeça te Incomoda? Uma Memória Feita de Rock ‘n’ Roll.” (autobiografia).

Se você ficou curioso para saber o que mais a Deusa Safada da Billboard fez com o Steven, aí vai;

Traição da esposa e o consequente divorcio;
Steven fez tratamento de um ano com quimioterapia para se tratar de uma hepatite que ele contraiu;
Steven fez uma cirurgia no pé ao saber que estava com sérios problemas com o mesmo;
Steven ficou viciado em analgésicos e depois de mais de 12 anos de sobriedade voltou a usar cocaína;
Caiu do palco durante um show, fraturando a clavícula;
Se internou em duas clínicas de reabilitação até o ano de 2011
Foi ameaçado de ser substituído por outro vocalista pela banda;

Enfim, esses fatos que citei são apenas o que eu lembro no momento, mas sei que tiveram mais problemas. Porém o importante é que hoje ele está sóbrio, fez muito sucesso como jurado do American  Idol e a banda lançou recentemente seu novo álbum, fizeram uma turnê nos Estados Unidos e em breve sairão em turnê mundial.